Desde a declaração da pandemia realizada pela OMS (Organização Mundial de Saúde), o número de internações tem aumentado drasticamente por todo o mundo. A crise de saúde pública afetou pessoas de todas as partes da sociedade, independente de idade, situação social ou econômica e status de saúde física.
Devido ao isolamento, ou pela quarentena ora por opção ou imposta sobre as pessoas, a rotina do dia a dia sofreu enormes mudanças. As mudanças sociais e econômicas que afetaram inúmeras famílias e populações também são crescentes (perda de trabalho, redução salarial, trabalho realizado em casa, fechamentos de estabelecimentos de ensino e de recreação e vida noturna, etc).
Por outro lado, a natureza contagiosa do COVID-19, a limitação dos atuais métodos de diagnóstico, o aumento contínuo de casos (fora países que utilizam políticas de controle e isolamento mais restritas do que o Brasil), escassez em ventiladores pulmonares e equipamentos de proteção pessoal, tem colocado pressão no sistema hospitalar e também nos profissionais de saúde e seus aliados.
É evidente todo o esforço por partes desses profissionais de saúde e das agências nacionais de saúde e vários outros segmentos e entidades não governamentais de conter a contaminação do COVID-19. Atualmente essa tem sido a preocupação mais comum, a de prevenir e minimizar o risco de transmissão, desenvolver e realizar estudos de eficácia de tratamento e vacinas, e também tem sido vital melhorar a saúde mental da população como um todo e em especial a saúde mental dos profissionais de saúde.
Também é certo que profissionais de saúde que estão na linha de frente dessa luta contra o COVID-19 têm sentido na pele o impacto em sua saúde mental, pois estão em contato direto com o diagnóstico, tratamento e cuidados de pacientes com COVID-19, e portanto estão sujeitos a desenvolver estresse ocupacional por conta de vários fatores que impactam negativamente seu estado psicológico e emocional.
Alguns desses fatores é o medo que o profissionais que trabalham em ambiente hospitalar têm de estar em contato direto com casos suspeitos e confirmados de COVID-19, o que aumentam seu risco de contrair o vírus. Imagine você ter aquela sensação de mudança de papel: do profissional que trabalha no hospital se tornar o próprio paciente. O risco fica ainda maior com a triste realidade da limitação na aquisição de equipamento de proteção individual, como luvas, máscaras e roupas de proteção. Esse constante medo, a sensação de estar sob ameaça constante de se tornar infectado, levam esses profissionais a decidirem se isolar de suas famílias e de suas casa, alguns até utilizam seus carros para dormirem à noite, ou dormem longe do aconchego das suas famílias por medo também de levar essa infecção para dentro de casa.
Para muitos profissionais dos hospitais que mais têm demanda, esse isolamento, as horas longas de trabalho, a incerteza na rotina, e a falta de um ambiente adequado para o repouso entre turnos, têm ocasionado em um adoecimento mental desses trabalhadores, resultando em quadros sérios de depressão, estresse agudo e problemas graves de insônia. Um outro fator de risco são as notícias de que colegas conhecidos a sua volta ou se contaminaram ou adoeceram por conta do COVID-19, o que aumenta mais ainda a sensação de ameaça e ansiedade.
O acesso a serviços de apoio psicológico também são escassos, assim como para muitos existe o receio de que serão estigmatizados ou subjugados por se sentirem vulneráveis nesse momento, e portanto podem evitar o atendimento terapêutico quando ele existe. Também existem casos de profissionais que desistiram do seu trabalho por se sentirem injustiçados e negligenciados por seus empregadores ou governos.
Durante esse momento crítico, é imperativo que olhar para as necessidades da saúde física e mental desses profissionais de saúde e seus aliados. Ainda que não seja possível oferecer equipamento de proteção individual suficientemente para todos os funcionários de hospitais, é importante facilitar o acesso a algumas necessidades essenciais e básicas para que eles possam lidar melhor com o estresse do dia a dia.
Empregadores devem manter clareza sobre as horas de trabalho desses profissionais, oferecer acesso a comida de qualidade e bebidas durante essas horas de trabalho, assim como manter disponível salas para repouso e relaxamento mental. Acesso a materiais de limpeza e higiene são importantes porque os profissionais precisam se sentir acolhidos e certos de que suas necessidades básicas estão sendo atendidas. Isso tende a diminuir a sensação de esgotamento e ansiedade.
Acesso à internet, locais para carregamento de celulares, para que esses profissionais possam se comunicar prontamente com seus familiares quando precisarem. Terapeutas e psicólogos disponíveis para atendimentos individuais e de grupo para aumentar a sensação de acolhimento, segurança e compaixão e trabalhar no aumento da capacidade de resiliência. Também podem ser oferecidas oficinas de bem estar como praticas que diminuam a sensação de cansaço e a preocupação ou ruminação mental. Práticas contemplativas como o yoga, a meditação ou o mindfulness podem ajudar a reduzir o deterioramento da saúde desses profissionais. Essas sessões podem ser compulsórias pelo menos uma vez ou a cada quinzena, dependendo dos recursos disponíveis.
A única maneira de conter os danos à saúde mental desses trabalhadores no campo da saúde nesse momento é criando essa cultura organizacional de apoio, acolhimento e de acesso a terapias. Assim esses profissionais podem desenvolver uma experiência de maior resiliência. Todos as entidades, organizações governamentais e não-governamentais, secretarias de saúde e pessoal da administração de hospitais devem trabalhar de maneira integrada e interdependente para garantir a saúde mental e o bem-estar psico-social dos profissionais de saúde e trabalhadores aliados.
Vitor Friary
Diretor do Centro de Mindfulness no Brasil
www.brasilmindfulness.com
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